quarta-feira, 10 de abril de 2013


                                                     XV



Já tinha  a minha dose. Foram dias de fracasso total. Telefonei  a Laura, que  não atendeu.  Não valia a pena deixar outra  mensagem porque  nada tinha para dizer. Sentia-me estúpido e desorientado.
Estava como  o coelho na couve  e nem dei pela aproximação dos dois  tipos. Vestidos informalmente, de aspecto normalíssimo, discretos e educados, identificaram-se como sendo da SEPARA, a  Secção de Prevenção das Actividades Recessivas, um departamento da  DINATE. As actividades recessivas eram aquelas que impediam o país de ficar menos pobre do que já estava. Originalmente pensada para problemas comezinhos, como contrabando, contrafacção e afins, depressa evoluiu para a vigilância de comportamentos. O que era um comportamento recessivo? Por exemplo, conspirar para matar um burocrata europeu.Breton não faria melhor.
 Sr. Gose, está detido para averiguações ao abrigo da lei ROSETE , faça o favor de nos acompanhar. Nem mais nem menos.  A lei ROSETE ( Reorganização  da Segurança do Território) previa a detenção , sem ordem judicial, por um período de quarenta e oito horas, de qualquer suspeito de atentar contra a segurança do país. Peguntaram-me se trazia alguma arma, o que me fez sorrir de tal forma a revista foi sucinta.
Acompanhei-os  a pé durante uns metros e entrámos num carro sem  identificação.  Entalaram-me entre  eles no banco de trás  e o motorista arrancou. Sabia  que ia para o posto de atendimento , um eufemismo para a esquadra da DINATE local. Cumpridas as formalidades , escoltaram-me até um pequena sala , muito confortável, com uma mesa de reuniões  e três sofás individuais. Sentamo-nos nestes e um dos inspectores  quis saber o que fazia eu  no hotel Marisol, com quem me tinha encontrado e que  instruções recebera.  Respondi que tinha ido com um amigo conhecer umas pessoas.
-       O senhor não está a entender.
Não estava , não. Levantaram-se e deixaram-me sozinho  mais de meia hora. Regressaram e  um deles pousou o tablet nos joelhos  e começou a ler. Todos os nomes.  O da Rita e  dos meus filhos, o que faziam, onde estavam etc. Para além do facto de terem feito o trabalho de casa, não pressupus mais nada. Mantive-me calado.
-       O senhor Gose sabe que naquele hotel está alojado um indíviduo que já foi condeado pelo crime de atentado contra  a segurança nacional?
O Zapa a atentar conta a segurança nacional?  Sorri de novo. Não, não sabia, nunca o tinha visto antes. Informaram-me  que sabiam quem me tinha levado lá e também sabiam  os nomes dos garotos  do charro. Quiseram saber onde estavam esses também terríveis suspeitos. Não sabia. O mais velho dos inspectores, que até aí não tinha aberto a boca, começou a falar. Tinha  um sotaque  indeterminado, talvez alemão, ou holandês.
-  Temos a zona em  vigilânt porque chegou ontem a um resort  daqui um alto person do vosso governo.



Vosso governo. Uma dupla mentira, porque nem era nosso nem era governo.  Já estava habituado, todo estávamos já habituados a este dialecto.
-       As suas explicações são insuficientes. O seu amigo Carles Pau desapareceu, mas vamos encontar ele. O senhor esteve com o seu amigo Michel Cato-Zapa no hotel  quarto.








O linguajar siginificava apenas que não tinham nada contra mim. Não era proibido visitar pessoas, mesmo que fossem ex-condenados. O outro polícia, o mais novo, com sobrancelhas negras carregadas e uma espécie de msoca no queixo, avançou noutra direcção.
       - Por que motivo o senhor Gose se demitiu das suas funções em Setraga? Por que motivo a sua mulher  não sabia de si? Por que motivo veio para Farvira com Carles Pau?
A coisa passou para outro plano, um plano bastante  desconfortável, porque também eu queria saber as respostas a essas perguntas. É difícil mentir quando não se sabe  a verdade.
Fiquei detido para averiguações apenas vinte  e quatro horas.  Não averiguaram nada, porque não havia nada para averiguar. No dia 28, à tardinha, entregaram-me a  mochila, com tudo revolvido, as chaves de casa, que não sabia  por que raio as tinha  trazido   e o  telemóvel,  de certeza    violado com método.
O funcionário levou-me para outra sala, mais pequena, só com uma mesa  e duas cadeiras. Mandou-me sentar e esperar. O telemóvel  estava sem bateria. Deve ter passado uma hora, ou quase. Por fim entrou uma mulher, ruiva, cinquentona. Disse chamar-se Freda, era austríaca e estavava colocada na DINATE. Falava com sotaque,  mas falava bem.
-       A partir de agora o senhor Gose está impedido  de exercer  qualquer função  que dependa do GASO. Não poderá dar aulas nem trabalhar em nenhuma estrutura pública. Abrimos um inquérito. Ao abrigo da lei ROSETE,  o senhor é considerado supeito de ter atentado contra a segurança do território.

Quis saber de que me acusavam: associação criminosa. Era rídiculo, porque Zapa  já cumprira  pena e, tanto quanto eu sabia, não estava acusado de nada.
 A lei ROSETE era uma forma expedita de estrangular a revolta, digamos, mais intelectualizada. Os vândalos e a canalha simples, que partiam  montras ou assaltavam bancos, contiuavam a ser julgados  pelos tribunais comuns. Os opositores  mais sofisticados, e alguns terroristas,  passavam pelo crivo da SEPARA e de um tribunal especial.
Estas medidas já eram discutidas antes da chegada da CADE, nos anos de anarquia política e autogestão. É verdade que não chegou a haver caos nem  guerra nas ruas, mas isso não impediu as pessoas de julgar que tal era possível. Assim, em 2017, as medidas extraordinárias  foram aceites como inevitáveis . O facto de  ter sido a CADE a colocá-las em prática permitiu o habitual abanar de cauda. Alguns  protestos tímidos, muita prosápia  nos jornais, mas nenhuma oposição real. O velho argumento do " não há alternativa" funcionou com uma metralhadora bem oleada: "Se  houver desordem, os mínimos essenciais não são garantidos e depois como é?". Ou seja, os mordomos e as marionetas mediáticas asseguravam preferir uma colónia bem administrada à anarquia. Os intelectuais, os artistas e os editorialistas oficiosos, que nos tempos da autonomia, em que  fazíamos as nossas leis e elegíamos os nossos deputados,  refilavam com qualquer  prepotência judicial, entregavam-se por esta altura a um sonambulismo conveniente.
Percebi que não podia fazer nada. Freda foi  simpática, ofereceu-me um regrigerante e umas bolachas e despediu-se.
- Nós só queremos o melhor para si e para este país.



















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